Hoje fiz greve. A segunda num mês. A quarta, em rigor, numa casa de professores.
E dedico-a, hoje, para variar.
Não só aos meus compatriotas, para o património nacional de quem contribuo com cada dia de ordenado deixado de colher em cada dia de greve, mas sentidamente a alguns colegas meus, que erram pelo País, personagens-tipo desta longa farsa vicentina em salas de professores.
Dedico-a àqueles professores bons. Não falo só de qualidade profissional, mas de bondade humana. Àqueles que lêem a realidade, se enojam com ela e que têm vontade de voltar a mesa do jogo. E que resistem.
Dedico-a àqueles professores que cândidos, iludidos ou cínicos se remetem e às suas esperanças para o quintal da bonomia. Que esperam uma solução que aparecerá num dia em que as coisas assim tenham de ser.
Dedico-a àqueles professores que se sentem exaustos numa luta desigual e que desistem de lutar. Porque têm esse direito supremo e porque a luta vai longa.
Dedico-a àqueles professores que, cobardes, não sendo obrigados ao combate, o simulam, tudo simulam, o combate e o seu contrário, mantendo-se em cima de um muro inventado. Enganando-se a si mesmos e vendendo-se ao vazio.
Dedico-a àqueles professores que são melhores que eu. Ou que se julgam melhores que eu. Que me olham superiores e que tentam ridicularizar a minha revolta racionalizando-a.
Dedico-a àqueles professores que julgam perceber-me. Que julgam fácil ler-me e aos meus motivos. E que não percebendo nada preenchem os espaços em branco com golpes de imaginação.
Dedico-a àqueles professores que têm mais a perder que eu na luta diária pela decência. Ou que pelo menos encontram aí o álibi de alma para pacificar as suas consciências.
Dedico-a aos fala-baratos. Àqueles professores que do falar fazem a sua força, mas que verdadeiramente não têm nada de relevante a dizer. E por saberem que o dizer é irmão do agir.
Dedico-a àqueles professores que detêm o tráfego da opinião. Que sabem quem pensa o quê e que assim compartimentam quem pensa em nichos. Que detêm o cadastro de quem opina e registam no caderno quem o fez ou devia tê-lo feito.
Dedico-o àqueles professores que estão acima do ensino. Que não precisam dele. Que desfilam por ele. Que desprezam os seus rituais. Que se enfastiam com que se aborrece com o que se passa no ensino, porque na verdade o seu reino não é deste mundo.
Dedico-a àqueles cuja maravilhosa capacidade criativa descobre maneiras de até no modesto ensino tricotar teias de interesses. Formas de jogar influências pequeninas, em tabuleiros de cartão, para no final recolher as migalhas do seu labor.
Dedico a minha greve de hoje à maravilhosa multidão de professores portugueses que, por serem humanos, professores e portugueses, são uma multidão de maravilhosa variedade.
…Que continua sem saber o que quer nem até onde está disposta a ir para o alcançar.