
Luto e luta continuam.
Por – e contra – uma “Educação” tornada radioactiva, que mata silenciosa quem a vive e quem toca.
Na escola, na rua, onde for preciso, até onde for preciso, na medida exclusiva da lealdade a quem não a tem – porque assim a moral obriga porque não somos todos da mesma massa – e da salvaguarda de quem menos culpa carrega, a parte mais importante hoje e amanhã neste imundo lodaçal: os alunos do País.
Que os motivos estão intactos…

…O longuíssimo espectáculo conta com mais variedades.
Contra toda a tradição recente, a srª “Ministra da Educação”, o “Governo” e o sr “Primeiro-Ministro” deram um show de “democracia”.
(Quero dizer, daquela coisa a que unilateralmente chamam por equívoco de mentalidade “democracia”…)
Reunido de emergência, o Conselho de Ministros deu-se à desproporção prática de juntar durante uma tarde, à volta de uma mesa, toda a elite dos “governantes” da Nação para engendrar num papelucho o ilógico desmentido dos mandamentos do “Governo” para a Educação até à data (simulando continuar no seu respeito); toda a elite dos “governantes” da Nação reunida para listar nuns rabiscos uma absurda lista das cedências ao bom-senso já podre de maduro, naquilo que o “Governo” considerara sagrado na sua obstinação (passando a chamar-lhe acessório…).
…Tudo isto num exercício à laia do turista que refastelado ao sol veranil tenta encaixar num cruzadex “ 3 Vertical: ‘coisa ou pessoa importuna, flagelo, calamidade’, com 5 letras“. [*]
Na gíria do Ministério da Educação vigente: “uma simplificação“.

É claro que num momento como este, histórico para a política portuguesa, muitos se apressaram a propalar a boa-nova ministerial.
(“Que clarividência!”.
“Que generosidade!”.
“Que magnificência!”.)
Com grande destaque para a apressada entrevista da…RTP1.

…Onde, logo ao serão, em meia hora, a propaganda jorrou em fonte e correu em rio até ao eleitor ignorante.
Num contínuo desde a conferência de imprensa de poucas horas atrás, nunca por minuto na televisão nacional se ouviu repetir tantas vezes “dialogar“, “identificar problemas“, “ouvir“, “ser sensível“, “conversar“, “flexibilidade“, etc.
O que se torna tanto mais saliente quanto se considere a boca de onde saíram.
Um Ministério inicialmente paquiderme na forma de impor, aplicar e silenciar, transformado de súbito em paquiderme rosa, com lacinhos nas pontas, bramindo em falsete.
Com uma srª “Ministra” a penitenciar-se dramaticamente por “não ter dado às escolas todas as condições“…
(Só quem não tenha coração não ficou com vontade de a adoptar e levar para casa.)
…E tudo de forma totalmente natural e desinteressada!

Mas há quem não ande a dormir e tenha percebido as entrelinhas da comunicação do “Governo” à Nação pela boca da srª “Ministra” e lhe viu como causa a forma como estava (…e está) entalada numa porta que mantém trancada.
Quando Manuel Alegre diz abertamente “já não ter paciência” para o “quero, posso e mando” da “Ministra” (e a obriga a responder-lhe no tom habitual) pressiona-a a dar um passo – nem que seja em frente, para o abismo.
Ou António José Seguro, ao falar de “posições [que] não permitem que se responda positivamente“.
Ou António Costa, ao afirmar a necessidade de “resolver uma a uma todas as dificuldades“.
…Com um Conselho Científico para Avaliação a denunciar que “não é de todo um posicionamento construtivo manter um clima de conflito“.
…Um Conselho de Escolas a pedir desde sempre a suspensão do processo..
…E paizinhos a dizer que “a ministra devia dar mais atenção ao que se está a passar” (obviamente que não a CONFAP)…
Não foi por nada que a direcção do PS preparou um livreco com “perguntas e respostas sobre as questões mais polémicas da Educação” para artilhar os presidentes das federações do partido “[com] argumentos a favor do modelo de avaliação dos professores“.
A “Ministra” não se mexeu, foi obrigada a mexer-se.

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Mas eis-nos perante a mexida da “determinação” e da “flexibilidade” na Avaliação de Desempenho Docente.
E dois logros.
Em primeiro lugar é um travesti dizer com todas as letras ao País que a famosa da “Avaliação” se tinha sólida em cima de três patas e que assim continua.
Por um lado, o enfoque na responsabilidade das escolas na avaliação dos seus professores. Agora já nem interessa ao “Ministério” a “descentralização” – que estamos numa de serviço de coacção dedicada ao cliente – mas até esta altura, a tutela limitou-se a ditar generalidades e a atirar para as escolas o trabalho sujo de definir “caminhos específicos” para cumprir a “Avaliação”, isto é, exigir magicamente produtos finais sem assegurar regras claras, propósitos racionais ou sequer meios viáveis para a sua concretização.
Por outro, a “avaliação global e integral” dos docentes. Entenda-se, a indecência de julgar a prática quotidiana e continuada pela “observação” por pares não treinados – e muitas vezes não aptos – de uma amostra de três aulas anuais, sem incidência na componente científica.
Por último, a definição de uma “avaliação com consequências“. Que na onda dos milagrosos resultados dos alunos visaria uma maravilhosa melhoria dos resultados dos professores. Aqueles que por idiotas eram acusados de nunca ter sido avaliados e por isso terem recebido um “Satisfaz”-padrão, passarem a receber um “Bom”, tais as regras do jogo: de uma mediocridade mais dourada e de uma excelência fora de alcance.
NUNCA NENHUM DESTES PILARES FOI REAL.
Segundo logro, infinitamente maior, é o da “simplificação” dos procedimentos, como se estivéssemos a falar de passos construtivos no processo ou sequer a sintonizar qualitativamente com o que ficou para trás. Podendo urrar-se sonoramente que ao tocar em “três áreas” o modelo “não foi beliscado“.
Ao “permitir” – generosamente – que “os docentes avaliados possam ter avaliadores da sua área de ensino e não de outras como acontecia até agora“, haverá quem bata palmas. A mim causa-me repulsa que à Nação não repugne. Porque se ainda agora há casos de escolas que não têm docentes das áreas de formação adequadas para avaliar os seus colegas como as regras o obrigam, antes tal nunca incomodou um “Ministério” monstruoso a quem, por exemplo, nunca ocorreu ser uma anormalidade um professor de Educação Musical avaliar um colega de Educação Física lá por serem ambos de “Expressões”.
Sobre a “excessiva burocracia“, digo que é um assunto da treta – fraco argumento desde há muito na boca dos contestatários – que se vira contra quem o defendeu. A quem se queixava – com fundamento – das papeladas infindas, o “Ministério” responde com redução de papel mantendo sem “beliscadura” o absurdo da sua produção! A raiva que os professores ficam a dever à rua tem sobretudo a ver com horas intermináveis e irrecuperáveis de discussão para a construção de materiais de observação (como vai voltar a acontecer introduzidas as novas alterações!) e não tanto com o seu preenchimento.
Também “os resultados escolares dos alunos deixarão de constituir um parâmetro da avaliação dos professores” por “dificuldades técnicas e de aplicação” (!?!?), passando de essenciais a detalhe.
Também as aulas assistidas deixarão de existir, salvo por solicitação do professor que aspire às classificações máximas na sua avaliação. E mesmo assim já não três mas duas…
O QUE FAZ COM QUE NÃO SE FALE DE UMA “SIMPLIFICAÇÃO” MAS DE UMA DECAPITAÇÃO DO MODELO, VENDIDO À POPULAÇA COMO “NÃO BELISCADO“.

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O “Ministério” da Educação tenta assim o melhor de dois mundos: primeiro convencer que algo existe, depois, corrido mal, convencer que sobre ele algo melhor sobreveio… (Sem base onde se fixar.)
…Colocando inteligentemente o ónus da “paz social” sobre os professores, forçados a dar então eles um passo.
Por mim, o(s) passo(s) está(ão) dado(s).
Dia 3 de Dezembro (e 11, e outros) aderirei à Greve de Professores. Com a maior convicção.
Esta contestação esteve errada desde o início. Por culpa dos sindicatos.
Nunca seria aceitável a divisão dos professores em duas castas como prevê o Estatuto da Carreira Docente alterado, já está em vigor e não sei até que ponto será reversível.
Nunca seria aceitável a demolição da organização – minimamente – participada das escolas vivida até hoje, introduzido o novo figurino da Autonomia, Gestão e Administração, que contempla a morte a prazo da representatividade docente nas sedes de reflexão, debate e decisão pedagógica das escolas.
Nunca seria aceitável o Estatuto do Aluno como estava e alguns ovos peritos em leis se encarregaram de corrigir.
Nunca seria aceitável – desde que foi conhecido – este modelo de Avaliação de Desempenho; com os absurdos, as falhas, as fragilidades, os perigos que qualquer pessoa no terreno lhe percebe.
Nunca seria aceitável a existência de uma prova de ingresso na carreira.
…
Mas foram-no. Todos. Aceites e cumpridos. Em silêncio.
O que torna diabólica agora a tarefa de quem se opõe a todos eles e a todos deseja o fim.
Mas é possível.
Tem de o ser.
E o País observa-nos.

É assustador ter à frente do País quem mostra esta falta de vista para a Educação.
Quem acha que sabe tudo.
Quem acha que é melhor.
Quem não pensa e impõe.
Quem falha mas não admite.
Quem não recua devendo.
Quem remedeia piorando.
Quem faz conta ao ganho próprio.
Quem saúda falsas vitórias.
Quem vive para aparências.
Quem fala sempre do alto.
Por muitas falhas que tenha, felizmente assim não sou.
Porque quem mais perderia seria quem priva comigo: miúdos que, se puder, hei-de pôr mais a pensar e torná-los homens livres que nem hoje nem depois sofram moles como eu às mãos deste tipo de gente.
A luta ainda não findou. Nem a meio estaremos.
Que esta horda de invasores tem artes e muitos meios.
Executivos das escolas já se encontram sob mira. Qualquer funcionário público tem previsto no novo Estatuto Disciplinar que o rege – cap.V, artº18, b) “Demissão e Despedimento por Facto Imputável ao Trabalhador” – a “prática de actos de insubordinação ou indisciplina ou incitamento” (?)…
O que nos virá por aí?
Que estamos dispostos a permitir?
Que este mal de viver persista?, que esta doença radioactiva alastre?
Que vamos deixar aos nossos filhos?
Luto e luta continuam.
Na escola, na rua, onde for preciso, até onde for preciso.
[* Muito adequadamente: "praga".]