Se Não Lhes Der Jeito Agora, Volto Noutra Altura…

…O que eu não quero é incomodar.

Sei que fazer o que me proponho neste exacto momento pode cair mal, ser inconveniente e quero tudo menos perturbar a paz melada reinante nesta nossa pacata terra.

Estava a ver a notícia da vitória do PS nas Regionais dos Açores… (Uma banhada – mais uma – à oposição, exactamente como no tempo de Mota Amaral, ainda que noutro sentido, tal e qual como na Madeira vem acontecendo. O que se calhar não é sinal de muita saúde democrática lá para as ilhas, mas se o povo escolhe tenho por bom confiar de que escolheu bem.)
…E a pensar como a instituição “democracia” está em tão boa forma em Portugal.

Só num País que assume ao pé da letra e incontestavelmente o princípio do desejo do povo e a sua salvaguarda é possível um cenário destes.

Quando uma taxa de abstenção atinge os 53.24%, só a fé cega nos princípios democráticos pode avalizar a manutenção em vigor do regime que nos “governa”.
…Com o pequeníssimo senão de – para dizer o mínimo – não me agradar a “fé cega” seja no que for.

Um sistema político está completamente podre – e, sim, um sistema social – quando a eleição para o que quer que seja de responsabilidade e preponderância é feita pela fracção de 46.76% de um universo de cidadãos – em princípio – capazes de decidir e com a responsabilidade inalienável de fazê-lo quando a tal chamados.
E mais podre ainda quando é desta fracção uma ainda menor – em quantidade e por isso, neste caso, em qualidade – que decide terminantemente o seu sentido.

Um sistema político está completamente podre quando a vitória é atribuída por maioria absoluta – sem qualquer direito a opinação – a alguém nestas precisas circunstâncias.

  • Nos Açores foi agora eleito por maioria absoluta um Governo Regional com 23% dos votos reais açorianos;  (49.96% dos votos expressos para o PS; taxa de abstenção de 53 .24%)
  • Na Madeira foi eleito em 2007 por maioria absoluta um Governo Regional com 39% dos votos reais dos madeirenses;
    (64.2% dos votos expressos para o PSD; taxa de abstenção de 39.48%.)
  • O Presidente desta República foi eleito em 2006 com maiorria absoluta com 31% dos votos reais dos portugueses;
    (50.59% dos votos expressos para Cavaco Silva; taxa de abstenção de 37.4%.)
  • O “Governo” desta Nação foi eleito em 2005 com maioria absoluta com 29% dos votos reais dos portugueses;
    (45.05% dos votos expressos para o PS; taxa de abstenção de 34.98%.)
  • O actual Presidente da Câmara de Lisboa foi eleito no ano passado – vá lá que sem maioria absoluta, mas – com grande espalhafato, com 11% dos votos reais dos lisboetas;
    (29.49% dos votos expressos para António Costa; taxa de abstenção de 63.29%.)
  • …E a história tem precedentes para todos os gostos.

Digam-me que as coisas são mesmo assim… Que este é um jogo a que todos por igual se sujeitam e que todos assumem.
Expliquem-me fórmulas e conceitos de gestão e conversão de resultados de voto em resultados de votação.
Relativizem-me “a questão dos números”.
Ou – a minha preferida – falem-me do País que não pode parar face ao “desinteresse” dos cidadãos. (…Já lá chego.)

Não deixa de ser incrível o descaramento, a brincadeira, a palhaçada partilhada dos “resultados”, engendrados, difundidos, passados de boca em boca, peças sólidas pala o simulacro calculista de um “sistema” que ilusoriamente funciona.

Não deixa de ser pornográfico o arrombamento das opiniões.
O estado em que é deixada a democracia; estocada no final da tourada, estucada recorrentemente com parecenças de nova a estrear…

O sistema político está completamente podre, tal como o sistema social que o sustenta e que por ele é sustido.
Ponto!
Revolução precisa-se.
Por um lado, obrigando à manifestação do voto os cidadãos relapsos (…cá cheguei.). Não é um direito – daquela cartilha a que tão lampeiramente hoje se acorre – a sabotagem da vida cívica em comum.
Por outro, forçando a que se fale verdade neste País. A que se clarifique a vida que se quer nesta sociedade. Forçando a que se chamem os bois pelos nomes; que se aponte a doença e se tome o remédio adequado para a degradação moral e ética desta polis que somos e fazemos.

Uma Revolução Ética, já!

…Mas o que eu não quero é incomodar!…
Se não lhes der jeito agora, volto noutra altura…

[Publicado no Canto Aberto.]

3 Responses to “Se Não Lhes Der Jeito Agora, Volto Noutra Altura…”

  1. O Raio Says:

    Estes calculos são difíceis de fazer pois os recenseamentos eleitorais estão sempre um pouco desactualizados.

  2. pedronunesnomundo Says:

    Ó caro Raio, não só os “difíceis cálculos” são os feitos à taxa de abstenção e não aos “meus” valores de votos dedicados líquidos – e a taxa apurada nunca provoca reacções -, como receio que mais ou menos uns milhares de eleitores em caderno dos referidos não chegariam para desequilibrar contas e fazer-me mudar de opinião em relação ao fundamental…

  3. Clavis Prophetarum Says:

    se estes números não significam que a democracia está morta e que caiu nas mãos de uns quantos (poucos) e sempre das mesmas 300-500 familias, então não sei o que seja…
    importa começar a mudar isto e a refundar a democracia, enquanto ainda o podemoz fazer, e já não resta muito tempo…


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